terça-feira, 3 de maio de 2011

Entrevista a Jorge Ribeiro

Na sequência das publicações anteriores resolvi propor uma entrevista ao meu amigo alpinista Jorge Ribeiro, que acedeu logo a responder às minhas questões sobre montanhas e aventuras.




Fica então aqui a entrevista:


1 - Nome, idade e profissão e naturalidade?

Jorge Ribeiro, nascido sob o signo do Leão, 55 anos de idade, psicólogo clínico e psicoterapeuta, nascido em Alfama- freguesia de Santo Estêvão- Lisboa

2 - Desde quando surgiu este fascínio pelas grandes montanhas e qual foi a tua inspiração para esta "sede de chegar mais alto"?


Estou em crer que fascínio pelas nossas grandes montanhas vem dos tempos da adolescência. O sonho de chegar mais alto e desde aí contemplar o Mundo sempre acompanha a rebeldia da alma adolescente. Digamos que a atracção pelo novo e pelo desconhecido do grande mundo se liga a uma parte mais activa e ainda selvagem do nosso ser e contraria essa tendência mais conservadora de adaptação ao nosso pequeno mundo que traz consigo o sedentarismo, alguma passividade e a acomodação, transformando-nos em homens mais domésticos. No fundo esta sede de chegar mais alto ancora num corpo capaz de sonhar e é uma recusa à normalização, à operacionalização e à banalização da Vida. As Montanhas devolvem-nos uma imagem do que Somos e tornam-nos importantes. As Montanhas são “Mães” exigentes e só aqueles que souberem ousar se tornarão seus filhos- Homens e Mulheres capazes de se conquistarem e de realizarem seus mais ousados sonhos. Os que correm loucos atrás dos sonhos ficarão pelo caminho. Os que sobem com passo firme e decidido, cientes dos seus limites mas também do seu potencial e que se mostrarem capazes de ler as janelas de oportunidade que as Montanhas sempre acabam por nos dar, chegarão ao Cume e sentirão essa outra Luz que sempre os tocará. E é com esse brilho no olhar que voltamos das Montanhas. O olhar de quem se conhece e de que assim também é capaz de conhecer e compreender o Outro.

3 - Quando e onde iniciaste a tua formação em alpinismo?

A formação em alpinismo começou com a minha chegada ao continente, vindo dos Açores, em 2006 e coincidiu com a necessidade sentida de encontrar outra família para caminhar. Comecei com a Papa-Léguas e comecei bem. As gentes que encontrei partilhavam do mesmo amor à vida e às montanhas. Depois aderi ao CAAL (Clube de Actividades de Ar Livre), onde fiz formação em Orientação e comecei a integrar as actividades do GDAMO- Grupo de Dinamização de Actividades de Montanha. E as Montanhas foram-se tornando cada vez mais altas. Dos 2.351 m do Pico vieram cumes cada vez maiores. E aconteceram magníficas invernais- uma no Teide (3.718m) e duas subidas ao Jbel Toubkal (4.167m)- ao mesmo tempo que comecei a sentir necessidade de melhorar as minhas competências técnicas em Alta Montanha. Em 2009 na companhia dum amigo fomos para Espanha fazer formação em Alpinismo. E é completamente diferente fazer essa formação em Espanha, com Guias de Alta Montanha, com certificação UIAGM. Infelizmente, em Portugal, não temos nenhum Guia de Alta Montanha e isso é, de facto, um limite. Manuel Macarro Perez, Guia de Alta Montanha UIAGM, deu-nos uma formação exigente e plurifacetada que nos preparou para os desafios de Montanhas mais técnicas. E foi na sequência dessa formação que conseguimos abrir uma nova via na Serra de Béjar, simpaticamente designada por Canal Lusa- um canal de neve e gelo com inclinação de 60º em que utilizámos “un juego de fisureros, 5 friends (pequeños y medianos), 2 anclas de nieve y 5 cintas express largas “. E, depois, com naturalidade, veio o Ararat (5.137m) e o desafio do Stok Kangri (6.152m).

4 - Qual foi o teu primeiro cume?

O meu primeiro Cume foi a Montanha do Pico. Foi uma subida com um grupo de amigos que caminhávamos em S.Miguel e que durante um fim de semana resolvemos rumar à Ilha Montanha e por os pés naquele magnífico Cume. Foi uma subida dolorosa em que carregámos tendas para cima e em que as mochilas andavam pelos 20 kg o que tornou a subida à cratera um enorme desafio. A chegada aos 2.250m e a visão daquela imensa cratera com o Piquinho bem no meio tornou-se uma imagem que teve o condão de me deslumbrar e de me levar a pensar que as Montanhas teriam muito para me revelar. Ver o por e o nascer do Sol do Piquinho tornou-se um espectáculo deslumbrante que, ano após ano, partilhei com amigos.




5 - Para ti, qual foi o cume que mais te marcou?


O cume que mais me marcou como alpinista e como homem foi, sem dúvida, o Cume do Jbel Toubkal em Abril.2011, com 11 amigos, 7 dos quais sem qualquer experiência em neve ou gelo.







6 - O maior desafio?



O maior desafio que enfrentei foi nesta última expedição. Foi a primeira vez que me surgiu o pensamento de que os riscos eram enormes e que poderíamos não voltar todos.

Nunca na minha Vida tinha pensado nisso de uma forma tão intensa. Por isso durante os dias de actividade na Montanha o trabalho dos guias foi imenso, procurando dar sempre ao Grupo a necessária sensação de segurança. O maior desafio foi ver uma companheira a escorregar a mais de 4000 m de altitude, em queda desamparada de costas, já com a cabeça e os braços para baixo e em que tive a percepção clara de que o pior estava a acontecer ali mesmo à minha frente. E perante uma situação destas temos de agir de imediato. E eu decidi para mim mesmo que um companheiro meu não pode morrer sozinho. E atirei-me. Dizem-me, os outros companheiros, que em voo. E apanhei a companheira por uma bota. E o piolet travou a nossa queda. E ali ficámos os dois, presos às Vida por um piolet, à espera de que os outros guias nos recuperassem. E recuperaram. E agora somos um magnífico grupo de Amigos e de bravos 4.000’istas, assim reconhecidos inter-pares, pela Montanha e pelos nossos Amigos de Lá.


7 - Como referi nas últimas publicações deste blog, acabaste de chegar de uma experiência entre amigos no Toubkal, onde todos atingiram o cume. Fala-nos um pouco desta aventura.




Esta aventura no Jbel Toubkal tornou-se um enorme desafio. Levar companheiros sem qualquer experiência de Média/Alta Montanha para uma subida a um Cume de mais de 4000m coberto de neve e de gelo mostrou-se uma empresa merecedora de um grande e exigente trabalho de preparação. Convidei o meu sobrinho, André Ribeiro, de 21 anos, aluno de Desportos de Natureza e Turismo Activo da Escola Superior de Desporto de Rio Maior, com formação académica e prática nesta área, sem experiência em Alta Montanha mas já com o Cume de Gredos no CV, para me ajudar a Guiar o grupo. Convidei, ainda, o meu amigo e companheiro do GDAMO, António Rocha, para também me ajudar a preparar o grupo para esta Expedição. O grupo ficou assim com pessoas com diferentes experiências em Alta Montanha a quem poderiam sempre recorrer podendo a partir daí formar a sua própria ideia sobre a Montanha e as dificuldades que iriam encontrar. Por outro lado, a solidariedade de Vítor Baía, um dos melhores meteorologistas de montanha do Mundo, para com o nosso Grupo, dando-nos a garantia da indicação de uma janela de bom tempo, fazia com que a variável tempo deixasse de constituir outra fonte de incerteza.



O trabalho de preparação foi imenso. Equipámos todo um grupo e realizámos actividades de caminhadas em terrenos de progressão difícil, treinando competências, desenvolvendo laços e moral fortes e criando um Grupo de Amigos.



Com o trabalho de casa feito, o Grupo partiu confiante para a Montanha. Ali recorremos a Guias locais e Amigos de anteriores Expedições, com experiência e qualificações em alta montanha, o que fez com que estivéssemos 13 envolvidos neste desafio de conquista desta Montanha de + 4000m. A formação que demos a 3300 m possibilitou aprendizagens seguras e possibilitou uma bonita subida a Tizi Ouanaomuss (3.684m), com o grupo já a evidenciar bom domínio das técnicas de utilização de bastões e crampons em neve e gelo. Ao mesmo tempo deu-nos também o conhecimento dos diversos elementos do grupo em progressão. Esta actividade de subida aos 3684m e posterior descida e dormida a 3207m facilitou o trabalho de aclimatação e funcionou como treino para o dia de Cume.



E o dia D chegou. Partimos rumo ao Cume. A relação entre companheiros experientes e menos experientes/inexperientes era de 4 para 8 ou seja cada guia teria dois companheiros para si. À medida que as exigências da montanha o ditavam, tornou-se necessário para alguns companheiros passarem a ter atenção individualizada, que ficou a cargo dos Guias locais, Mohamed e Lahsil ficando eu e o André com 3 companheiros cada um. E aí Mohamed, Lahsil e André foram enormes. Mostraram uma generosidade e um saber imensos. Fartaram-se de trabalhar. O Grupo mostrava-se muito forte e extremamente unido. E por tudo isso, quando chegámos à bonita alameda final e o Cume se apresentou de corpo inteiro, as emoções soltaram-se e uma alegria imensa tomou conta de todos nós. Celebrámos o encontro com o Cume como Humanos que se gostam e que se amam entre si e isso foi e é um momento único na Vida de cada um de nós.



Depois a descida foi, também, muito dura, com a neve a chegar às virilhas, mas a cada passo ficávamos mais perto de chegar. E a 200/300 m do Refúgio já éramos saudados pelo staff, recordando-me a expressão de alegria do nosso cozinheiro ao ver-nos chegar sãos e salvos, depois da conquista do Cume, olhando para nós como se de seus filhos se tratasse. E ele já tinha um chá quente e umas bolachinhas para nós. Mais tarde, já em Sidi Chammharouch, o nosso cozinheiro apresentava-nos ao seu filho para que também ele conhecesse os seus “novos” irmãos. E era, de facto, como se de irmãos se tratasse.






8 - Como não poderia deixar de ser, qual foi a tua primeira ascensão à Montanha do Pico, e que memórias guardas da nossa montanha?




Já vos falei na minha primeira subida à Montanha do Pico e das memórias que dela guardo. Numa outra actividade em que levei,já como guia, um grupo de amigos a subir o Pico, pela primeira vez, lembro-me de uma companheira de S. Miguel que já com mais de 58 anos não se imaginava capaz de alguma vez chegar ao Cume e que depois de o ter conseguido, quando as estrelas vieram habitar o Céu, deitada no aconchego do seu saco cama a observar aquele magnífico cenário repleto de Silêncios e de Estrelas. E as lágrimas de felicidade e de alegria correram-lhe pelo rosto até que adormecesse com as Estrelas.



9 - Em conversa no ano passado referiste um projecto de alta montanha para um futuro próximo - o Aconcágua. Fala-nos um pouco deste projecto e de outros que tenhas em mente.



O projecto Aconcágua era para ser realizado em Janeiro de 2011 mas por impossibilidade do meu companheiro não quis avançar para uma montanha difícil com quem não conhecia. Fiquei à espera dele e como a montanha não se vai embora talvez 2012 seja a altura certa para realizar esse projecto. Em Agosto de 2011 partirei com um grupo de espanhóis para os Himalaias, podendo acontecer o retomar do projecto de Agosto de 2010 de subida do Stock Kangri (6.137m), inviabilizado o ano passado pelas inesperadas e gigantescas cheias de Leh.




10 - Deixa-nos algumas palavras aos leitores deste blog que, tal como o próprio autor, sonham com as grandes montanhas e as expedições aos grandes espaços naturais por esse mundo fora.


O que aprendi com as montanhas pode-se resumir um pouco no célebre pensamento do grande alpinista Anatoli Boukreev:



Mountains are not Stadiums where I satisfy my ambition to achieve, they are the cathedrals where I practice my religion...I go to them as humans go to worship. From their lofty summits I view my past, dream of the future and, with an unusual acuity, am allowed to experience the present moment...my vision cleared, my strength renewed. In the mountains I celebrate creation. On each journey I am reborn.”





Ou seja as Montanhas terão que ser vistas como Catedrais onde nós Humanos praticamos a nossa mais íntima religião em contacto com os outros e com essa outra realidade acima de nós que é a nossa própria Montanha. E para que a magia aconteça é preciso estarmos na companhia de um grupo de Amigos que seja assim como uma família de irmãos muito unidos e em que sempre funcionará a máxima um por todos, todos por um. Sem Amigos não se sobem Montanhas,



Na Montanha ganhei Amigos mas também perdi “amigos”. Com os Amigos subo QUALQUER Montanha. Com “amigos” nunca mais subo Montanhas. As Montanhas só valem mesmo a pena se forem subidas por Amigos e com Amigos.



As Montanhas sobem-se pouco a pouco. Com humildade. Com o Outro ! E assim Ela nos receberá. A Todos. De braços abertos. Porque fomos simples. Humanos, humildes e Ousámos Sonhar e Chegar Mais Alto e Mais Além.



E como dizia Torga, “ O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura.




Muito Obrigado Jorge por esta fantástica entrevista. Um grande Abraço de Cume!

3 comentários:

Francisco disse...

Uma bela e poética entrevista, caro Jorge! Abraço, Francisco

Francisco disse...

Uma bela e poética entrevista, caro Jorge! Abraço, Francisco

Anabela disse...

Ele sabe, e sonha,
que o sonho comanda a vida
Que sempre que sonha
o mundo pula e avança
com o sorriso colorido
na face de uma criança.

Bem haja e boas escaladas pela vida fora :-)
Beijos